O peso dos anos e a natureza

Escolhi a cidade de Alto Caparaó para passar o feriado de Carnaval em 2014.  Com as bicicletas nos mala bikes, rumamos eu e Andréia para a cidade no sopé da Serra do Caparaó. 

Não foi por acaso, essa viagem. Descobrimos, há uns doze anos, que aquela cidade deve ser uma das poucas de Minas Gerais, sem folia no Carnaval. Essa festa, assim como o futebol, me desagrada profundamente. Prefiro o samba das águas, em vez do batuque carnavalesco.
Alto Caparaó é a principal entrada para o Parque Nacional do Caparaó, importante destino turístico brasileiro. No sábado, dia 1/3, era preciso se identificar para entrar na cidade
O município, de pouco mais de 5 mil habitantes, não tem carnaval por uma razão simples. A maioria dos antepassados é de origem europeia e evangélica. O lugar possui 19 igrejas, principalmente as tradicionais (Católica Romana, Presbiteriana, Batista, Adventista, entre outras).

Essa deve ser a única cidadezinha em que existem mais igrejas do que botecos. A maioria dos templos também possui alojamentos, que recebem turistas religiosos vindos de todas as partes do país, em caravanas.  Portanto, entendeu por que não existe carnaval lá no pé da serra? É muito bom passar o feriado num lugar sem carros com som de porta malas pelas ruas.

Alto Caparaó atrai pessoas interessadas em turismo de aventura e ecológico. Para os mais exigentes há hospedagem e restaurantes de alto padrão. Atrás do sossego, a estimativa é que mais de 2 mil pessoas procuraram Alto Caparaó para passar os quatro dias do Carnaval 2014, um número que tem crescido ano a ano, informa José Carlos Lovantino, proprietário do Lovantino News, blog informativo da cidade. "Essa tranquilidade é o atrativo de Alto Caparaó e nós lutamos para manter esse clima", acrescenta. 

História

Estação da EF Cataguases Leopoldina, desativada desde os anos 1970

A viagem foi aproveitada para conhecer a cidade de Caparaó, bem menos famosa e frequentada do que seu antigo distrito, emancipado em 1995. Fizemos o percurso entre as cidades em aproximadamente 60 minutos, com as mountain bikes. 

Distante apenas 15 quilômetros de Alto Caparaó, a cidade na parte sudeste da serra guarda uma relíquia, a velha estação ferroviária da Estrada de Ferro Cataguases-Leopoldina, por onde até os anos 1970, trens levavam cargas de café e passageiros do interiorzão de Minas para o Rio de Janeiro. 

Contam os que viveram aquela época, que essa viagem ia além dos negócios que a ferrovia impulsionava, pois também levava e trazia novidades, esperanças e descobertas, na ligação de um mundo rural ao mundo urbano, litorâneo e cosmopolita, que sempre foi o Rio de Janeiro.

Apesar da sua importância na história, no domingo (2/3), vi a “porta” de todas essas coisas, a velha estação ferroviária, mergulhada no mais profundo abandono. 


A natureza

Uma das mais belas cachoeiras do Vale Verde fica a mais de 1.000 metros da entrada do vale. É preciso escalar dois paredões para chegar aqui. E no alto dela tem outra cachoeira ainda mais bela.
Alto Caparaó é o mais conhecido portal de um dos principais roteiros turísticos do Brasil, o Parque Nacional da Serra do Caparaó. Há uma segunda portaria localizada no distrito de Pedra Menina, no município de Dores do Rio Preto, Espírito Santo, mas o fluxo maior de turistas é mesmo pelo lado mineiro.

Normalmente, as pessoas percorrem as trilhas na serra nos meses de inverno, com temperaturas de até - 5 graus. É frio, congelante e doído para quem mora em um país tropical, mas com baixo o risco de chuva. 

É que a tempestade na serra é muito perigosa. As trilhas ficam escorregadias e quase sempre viram gigantescas corredeiras. Em campos de altitude, desprovidos de árvores, as pessoas são para-raios naturais. Por isso, a recomendação para que se ande pela serra no inverno. Mas recomendação não significa proibição. No feriado de Carnaval, muitas pessoas subiram a serra.
Andar pelo rio Caparaó exige cautela. Com prudência, a beleza oferecida pelo lugar é um pagamento de valor inestimável 
Agora, no verão, o mais usual é frequentar as cachoeiras do parque, em especial as localizadas no Vale Verde, banhado pelas gélidas águas do rio Caparaó, cuja nascente fica no pé do Pico do Calçado e que também drena água do Pico do Cristal. Neste caso, o risco é com o fenômeno das cabeças d`água. Ocorre isso quando chove forte na serra e o volume de água nas corredeiras cresce em questão de minutos. É fatal para desavisados ou desatentos.
Área de lazer na entrada das cachoeiras do Vale Verde: Um incrível churrasco sem bebidas alcoólicas e com o som apenas da natureza
Por essas e outras razões, a maioria dos turistas fica no entorno da instalação onde há banheiros, vestiários e churrasqueiras. Todo o perímetro é monitorado, por funcionários do Instituto Chico Mendes (ICMBio) ou Bombeiros Militares. Não se pode entrar com bebidas alcoólicas na área mas, ainda assim, as pessoas fazem churrasco lá. 
Para quem não gosta de aventuras, a entrada do Vale Verde, constantemente monitorada, é a alternativa para curtir a natureza na áreas das cachoeiras do Parque Nacional do Caparaó
Há os que conhecem bem o vale e, com a devida prudência, por ele caminham entre pedras, escalam pequenos paredões, se equilibram sobre as rochas polidas pelos milênios e chegam a cachoeiras com ar de cinema. Em nenhum outro lugar que conheço o belo e o inóspito, a paz e o risco estão juntos desta forma.
Mais uma cachoeira do Vale Verde: água gelada e límpida do rio Caparaó
Estima-se que apenas 3 em cada 100 turistas que entram no parque consigam chegar a esses lugares. O risco é grande e o esforço necessário é enorme. Já o pagamento para quem  vai é uma beleza de valor inestimável. 

Quanto a minha incursão lá, em 2014, a cada vez que percorro o Vale Verde entendo que o passar dos anos torna tudo mais difícil. Devo gastar hoje o dobro do tempo para percorrer o mesmo trecho que há uma década ganhava em 40 minutos, apenas. Nenhum outro lugar é tão bom para sentir os limites e o peso dos anos do que na própria natureza. 

Comentários

  1. Prezado Alex, faltou voce mencionar o Parque das Andorinhas. Apesar de estar afastado da cidade e tecnicamente ficar em Alto Jequitibá, o lugar vem ganhando destaque pela sua boa infraestutura, combinada com a beleza natural do local e a sensação de passar por tilhas e caminhos na divisa de MG e ES... Em novembro quando estive em AC cheguei a seguir o caminho para lá, mas começou a chover, o tempo fechou e a estrada estava ruim, com muito barro, me fazendo dar meia-volta. Mas da proxima vez, vou lá...

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  2. Amigo, você conseguiu me deixar com os olhos cheios dágua, pois eu estou no time dos que não conseguem mais ir ao Vale Verde e tomar banho nas cachoeiras que citou. abraço, belo texto. Marlene.

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  3. Novas sensações a cada ida ao Vale Verde.... Recomendo!!! Andreia Klein
    Klein.

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